Não ajudam em nada. Explicarei por quê e o que há por trás destas crenças tão populares.
Diante das aflições e do caos que é a realidade, nossa mente clama por explicações e, mais do que isto, por soluções mágicas.
Para ser convincente, uma proposta de solução mágica não precisa de muito: basta estar envolta em uma aura moral com tons de superioridade, transcendência e algo que pareça sábio. Ideias como “o sofrimento é uma oportunidade de crescimento” ou “lei da atração” possuem uma espécie de lógica forjada na qual queremos acreditar (e isto já é quase todo o caminho para que elas se consolidem), mesmo que não haja provas nem evidências científicas do funcionamento destas bravatas existencialistas.
Mas a gente quer acreditar, precisa acreditar...
Em um programa de TV, vi em 2016 uma figura de sucesso confessar a fórmula dele: toda noite, antes de dormir, ele anotava em um caderno, a lápis (tinha de ser a lápis) dez pontos de gratidão. Podia ser gratidão por ter saúde, pelas conquistas do dia, por ter uma família etc. Dez itens, todo dia antes de deitar. Fazendo isto, era certa uma transformação na vida após algum tempo.
Eu juro que achei que este ensinamento fazia total sentido e iniciei meu caderno de gratidão. Religiosamente, fazia minhas anotações dia após dia, concentrando-me positivamente em cada linha que escrevia. Fiz isto durante semanas, meses, e apenas posso dizer que neste ano de 2016 o que levei na vida foi um tombo.
Alguém então poderia ter dito que aquilo fora “a melhor coisa que poderia ter me acontecido, pois a energia que despertei estava me trazendo algo que parecia a princípio ruim, mas que serviria para que eu aprendesse algo e evoluísse”. Ou seja, a feitiçaria do caderninho estava funcionando, é claro!
Sei...
Parei de perder meu tempo com os gratos registros a lápis e isso não fez os cenários nem piorarem nem melhorarem. Apenas a vida seguiu como sempre, com altos e baixos.
Outros poderão argumentar que o que há por trás das atitudes místicas positivas não é nenhum tipo de energia sobrenatural, mas sim algo mais lógico, que funcionaria assim: tendo um mindset positivo, nossas ações cotidianas serão mais vibrantes, fazendo com que consigamos realizar nossas atividades com mais brilho e convencer quem precisa ser convencido de maneira mais fácil, através do poder do otimismo e do magnetismo que isto propaga.
Pois é... Na prática, vi que algumas vezes isto funcionava e outras não. Como aliás tudo na vida.
Quando alguém conquista algo seguindo as receitas do otimismo e da autoajuda, costuma fazer uma propaganda enorme do fenômeno. Mas, nas numerosas vezes em que nada acontece, ninguém fala nada – preferem achar que não seguiram corretamente o ritual. É mais ou menos como aquele sujeito que arruma um empregão respondendo a anúncios no LinkedIn ou algum outro portal similar, levando os colegas a despejarem uma enxurrada de CVs em tais canais, quando sabemos que a esmagadora maioria de quem se candidata não recebe sequer um retorno de que foi reprovado (na verdade, muitos perfis sequer são analisados).
Mas então, por que determinadas pessoas dão mais certo do que outras? Puro acaso?
A rigor, deveríamos refletir primeiro sobre o que é exatamente “dar certo”. Ficar rico é dar certo? Bom, não nos aprofundemos neste tipo de discussão para não mergulhar em uma espiral filosófica que não vai nos levar a nada.
Existe sim uma coisa que não falha e ela se chama estatística. Não falha porque é uma força natural, não inventada por algum curandeiro de vidas.
Com pensamento positivo ou não, incenso e simpatia ou não, palavras otimistas ou não, se você jogar um dado mais vezes obterá o seis com mais chance do que se jogar pouco.
Se quiser realizar um exercício neste sentido, faça o seguinte: concentre-se positivamente em obter um seis no lance do dado e jogue-o dez vezes. Mas use toda a sua concentração mesmo: acredite piamente no poder da mente e jogue. Anote em um papel quantas vezes obteve o seis. Agora comece a reclamar da sorte sem parar, em altos brados, mas jogue o dado cem vezes. Anote o número de vezes em que obteve o seis nesta segunda rodada. Depois me conte qual foi o resultado.
Quer dizer então que o segredo é o esforço, certo? Mais ou menos. O segredo na verdade é fazer a estatística trabalhar para você nesta vida, com ou sem grande esforço. Fazendo um grande esforço ou colocando um robô para trabalhar para você, o que importa é a quantidade.
Quem tem sucesso em um negócio tentou várias vezes, isto é bastante comum. Muito mais comum de quem deu certo de primeira ou foi “super confiante”.
Assim sendo, não se prive de reclamar para caramba das coisas. Isto pode ser bastante divertido! Quer algo mais engraçado do que uma roda de gente bebendo e falando horrores da situação financeira, do chefe, da vizinhança, da unha encravada, dos gases do cônjuge... Parece uma competição para ver quem está mais desgraçado! Nestas ocasiões, desabafe mesmo! Isto faz bem.
De resto, busque aumentar o espaço amostral do que quer que faça. O resultado vem por razões naturais, se as condições numéricas forem adequadas. Se achar que é mais simpático ser uma fonte de discursos de ânimo, ótimo, ser simpático é bom. Mas em nada além disto o bla-bla-bla vai te ajudar. Ações funcionam. Ações em grande quantidade, com persistência.
A vida não conta com um pequeno duende barbudo invisível que sempre lhe dá uma nova chance de aprender e evoluir diante das lições trazidas pelas vicissitudes professorais deste nosso mundo de provas. Balela. Nem tudo que é reconfortante e "elevado" é verdadeiro. Não precisa ser pessimista nem cético. Seja uma hora mais positivo e outra mais negativo, conforme se sentir melhor. Sinta-se bem! Espaireça! Sempre que não for muito perigoso, mande à merda! E insista com inteligência no poder da natureza – não o dos ou dos fluídos energéticos que plasmam, mas sim o do incrível determinismo do estocástico.
Uma última palavrinha sobre gratidão: seja grato às pessoas, não ao sol que nasce todo dia. O sol está cagando (raios ultravioleta) e andando (na Via Láctea) para você e sua opinião sobre ele. Já as pessoas que lhe fazem bem merecem seu reconhecimento.